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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Setúbal ganha novos palcos com a Festa do Teatro

Boa notícia: a cultura em Setúbal não espera pelo fim das obras do Fórum Luísa Todi. O Teatro Estúdio da Fontenova sempre soube encontrar espaços alternativos para dar bons espectáculos: Inatel, Club Setubalense, o parque do Bonfim e até uma casa no Bairro Salgado... Com o Fontenova cada peça procura o seu espaço próprio. E a Festa do Teatro encontrou este ano um novo espaço: o antigo ginásio da renovada escola secundária de Sebastião da Gama, que eu tive a honra de frequentar. Ontem foi noite de casa cheia na escola para assistir à frenética peça "Ibéria-A Louca História de Uma Península", pelo grupo Peripécia Teatro: dois actores e uma actriz contam várias histórias que envolvem personagens do lado de cá e lá da fronteira, alternando entre episódios (Salado, Inês de Castro, Viriato, Aljubarrota, Descobrimentos, Rodesilhas e um milagre...) a um ritmo alucinante. Resultado: muita gargalhada e fascinação pelo trabalho dos actores, um misto de mímica, imitações sonoras e um texto muito bem trabalhado. Deixo-vos aqui o vídeo de apresentação da peça, com menos gargalhas e tranças do que as de ontem... O espaço funcionou muitíssimo bem com um palco amplo montado à frente do antigo palco e deixa boas promessas para os espectáculos que ainda estão em programa.



No antigo palco da renovada escola tinha já assistido ao "Felizmente há Luar" levado à cena pelo Metáforas, o Grupo de Teatro da Escola Secundária Sebastião da Gama. Fiquei com inveja do talento daqueles jovens actores, quer os que contracenaram comigo quando tive a honra de fazer parte do grupo há uns anos, quer os da "nova fornada". Está ali um grupo de "gente gira" e actores a sério, como diz a professora Conceição Crispim. Só quem tinha visto a performance da Tânia Alexandra percebe do que eu estou a falar. Esperemos que o grupo continue a brindar-nos no seu palco que é também a sua casa e que a casa continue a abrir o seu palco ao que de bom se faz em Setúbal.

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Foto: Manuel Galrinho e Maria do Carmo Galrinho
http://www.flickr.com/photos/filosofias/5818995977/


Batalhas navais temperadas com sal de Setúbal


É sabido que o famoso sal de Setúbal era transportado por navios mercantes para várias partes da Europa a partir do século XVII e mais tarde, já no século XIX, para os Estados Unidos. Acerca deste último destino diz-nos a investigadora Inês Amorim o seguinte:

O peso das exportações para os Estados Unidos não surpreende. Não obstante o desenvolvimento da exploração salícola nos finais de XVIII, os Estados Unidos precisavam de grandes quantidades de sal para a pesca e salga de carne que ultrapassassem os insucessos das primeiras instalações industriais. A presença de navios americanos nas águas de Cabo Verde, desde a década de 80 do século XVIII, sendo a maioria dos que aportavam à procura de baleia e de sal, comprova ser esta uma das três áreas extra-americanas de abastecimento (Grã-Bretanha – inclusivé do salgema de Cheshire, Europa do sul e Caraíbas).
Sabe-se, hoje, que o sal português embarcado para os Estados Unidos representava, em 1797/1798, 30.76% do total das importações de sal americanas. Depois daquela data a percentagem decresce até 1806, reduzindo-se a zero por cento, segundo estas estimativas mas, em 1813/1814, as importações são retomadas, subindo para 38.73% do total. Não obstante a quantidade de importações aumentarem, em 1815/16, Portugal perdeu peso percentual, representando apenas 16.74% do total do sal importado pelos Estados Unidos. (...) A confirmar o interesse mútuo pela compra e pela venda do sal de Setúbal para os Estados Unidos, em 10 de Maio de 1852 o governo português permitiu que em Setúbal se vendesse sal aos navios americanos pelos mesmos preços que aos navios portugueses (...). [fonte: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7949.pdf]

Menos conhecida é a história dos perigos reais dos que embarcavam nestas viagens. Depois da partida de Setúbal as tripulações dos navios norte-americanos estavam sujeitas à (boa) vontade dos corsários franceses. Num livro publicado recentemente, em 2009, Greg H. Williams, um especialista em aspectos esquecidos da História, sumariza a razão desta "quase guerra" entre franceses e americanos na descrição do seu livro sobre os ataques dos franceses a navios americanos. Para o autor, durante a era da Revolução francesa e napoleónica, a França viveu períodos de fome e miséria devido a colheitas ruinosas. Legal ou ilegalmente, os navios dos corsários (lembrem-se que um corsário é um dono de um navio tripulado com autorização ou consentimento de um Governo para tomar outros navios) tomaram a carga de vários navios mercantes estrangeiros. Os descendentes dos proprietários ou armadores dos navios fizeram queixa. Melhor: fizeram 6479 queixas envolvendo mais de 2300 navios.

Setúbal aparece aqui como personagem secundária neste conflito, mas vejamos a título de exemplo, o que aconteceu a três navios que partiram de Setúbal, de acordo com a recolha de dados de Williams:
  • A 25 de Agosto de 1800, o navio Pacific, registado em Filadélfia e comandado por Parkins Salter, partiu de Setúbal rumo a Portland, carregado com 1350 tonéis (penso ser a tradução da medida hogshead, mas desconheço a aquivalência) de sal e caixas de limões, para além de barris de vinho pertencente ao comandante. No dia 7 de Setembro, foi mandado parar em pleno Oceano Atlântico (ver mapa em baixo), pelo comandante Pierre Jurien de La Graviére, que liderava a fragata francesa de 36 peças de canhão La Franchise (1). Os franceses saquearam o navio americano, levaram 26 caixas de limões, barris de vinho e tudo o que estivesse "à solta" na embarcação. Toda a gente foi evacuada e o navio foi afundado a tiros de canhão. O comandante Salter escreveu para Nova Iorque a 30 de Setembro: "Eles levaram todos os nossos Quadrantes, Livros, Mapas e quase toda a nossa roupa, pelo que estamos numa situação deplorável. É uma situação difícil esta, de sermos privados dos ganhos de uma vida inteira, por causa de uma acto pirata de um grupo de Ladrões Franceses".

  • Em 1800, a barca Mars registada por John Berry, armador e comandante do navi
    o, partiu de Setúbal com destino a Filadélfia, nos Estados Unidos, carregada com sal e cortiça. Foi capturada por corsários franceses, recapturada pelos britânicos e libertada na Antigua para reparações.

  • Em 1813, o Citizen, um navio americano de 303 toneladas, comandado por James Crowdhill e armado por Washington Bowie e John Kurtz, foi mandado parar pelo capitão Albine Réne Roussin (1781-1854), comandante da fragata La Gloire (2), um navio de 40 peças. O navio tinha partido de Setúbal carregado com sal e tinha como destino a Alexandria. A carga foi tomada pelos francesas e o navio foi afundado. Os armadors Bowie & Kurtz receberam 12 mil dólares da companhia de seguros, mas o navio valia o dobro e por isso apresentaram queixa.




Fica aqui mais um apontamento histórico da cidade de Setúbal, desta feita como narradora não participante dos conflitos do início do secúlo XIX.

Notas:

(1) Esta fragata francesa viria a ser capturada em 28 de Maio de
1803 pelos ingleses que a perseguiram por meio dos navios HMS Minotaur (1793), comandado por Charles John Moore Mansfield, do HMS Thunderer (1783) e do HMS Albion (1802). A fragata La Franchise serviu na armada britânica até 1814 (conferir aqui). O comandante Pierre Jurien de La Graviére teria a sua vingança em 1809, na batalha de Les Sables-d'Olonne, onde se celebrizou por comandar três fragatas de quarenta canhões cada e ter sobrevivido ao ataque destas por vários navios britânicos, entre os quais um navio de 80 canhões e dois de 74. Resultado: os ingleses acabaram por desistir após intensas horas de combate e os franceses, vitoriosos, recolheram à costa. Das três fragatas, duramente bombardeadas, uma foi abatida por ser irreparável e as outras duas foram vendidas.

(2) Este capitão e barão francês é o mesmo que liderou, já como almirante, as operações de uma esquadra francesa (seis navios, três fragatas, uma corveta, dois brigues e uma escuna) que entrou pelo Tejo em 6 de Julho de 1831 obrigando o rei D. Miguel I a reconhecer por escrito a "Monarquia de Julho" francesa. O pintor Charles Philippe Larivière retrata esta cena com o almirante em Lisboa, junto à Torre de Belém. O quadro está em Versailles.

domingo, 21 de agosto de 2011

As Sangrias do Viso

Aviso: o conteúdo deste post pode conter descrições susceptíveis de ferir a sensibilidade de alguns leitores.

Existe em Setúbal uma rua que dá pelo nome de Rua da Batalha do Viso, mas poucos conhecem as razões e o desfecho de tal acontecimento histórico. Trata-se de um combate que faz parte da guerra civil que ficou conhecida pelo nome de Patuleia. O confronto deu-se a 1 de Maio de 1847 entre as tropas apoiantes da rainha D. Maria II, comandadas pelo conde de Vinhais e a facção da Junta Insurreccional do Porto, liderada pelo visconde Sá da Bandeira.

Há dias encontrei nas prateleiras virtuais da Google Books um curioso relato do tratamento dado aos feridos desse confronto às portas da ainda vila de Setúbal, na obra "Cirurgia e medicina, clinica positiva", publicada em 1853 e da autoria de Manoel Joze da Rocha, cirurgião pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa - a antecessora da actual Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. [A propósito desta escola vale a pena ler as "Anotações sobre a história do ensino da Medicina em Lisboa, desde a criação da Universidade Portuguesa até 1911 – 1ª Parte", de J. MARTINS E SILVA]

O cirurgião militar estava habituado a tratar um pouco de tudo o que estivesse relacionado com escaramuças bélicas: ferimentos de balas, estilhaços e até de espada. Após o relato de várias aventuras e desventuras médicas resultantes da época, começa o médico a relatar sucintamente a Batalha do Alto do Viso: "Em Montemor soubemos que o general Sá da Bandeira vinha tomar o commando desta força e que trasia uma brigada de gente mais regular. Estas três columnas reunidas formavam uma massa de 5.000 mil e tantos combatentes acampados na deliciosa Villa de Setubal que foi para nós outra Cápua, por quanto nem o General hia procurar o inimigo nem o inimigo nos procurava a nós [o Sá da Bandeira chegou a Setúbal a 16 de Abril, onde se reuniu com as forças do conde Melo] mais de vinte dias até que no primeiro de Maio fômos bater o inimigo num reconhecimento a que se deu o nome de Batalha do Alto do Viso". O embate foi sangrento: as forças de Sá de Bandeira terão perdido 500 homens. Conta o cirurgião que as colunas de Sá de Bandeira foram varridas por "metralha a tiro de pistola". Do outro lado, das forças do conde de Vinhais, leais à rainha, o balanço foi, nas contas do cirurgião, de "cento e quatro feridos de todas as armas, dezoito prisioneiros e setenta mortos".

Consta que o vaso de guerra britânico HMS Polyphemus estaria pelas águas do Sado (conferir aqui: "29 April – 1 May [1847] Rough copy diary entry in Colonel Wylde's hand concerning his journey to Setubal onboard HMS Polyhemus to meet Sa da Bandeira and his acceptance of British mediation. Also concerning insurgent activity and his trip to Vinhae's headquarters to
propose a ceasefire". E conferir aqui também.). Facto que aliado ao desaire do Viso terá convencido Sá da Bandeira a assinar um armistício (cessar-fogo) sob mediação britânica. Eis o papel de Setúbal na Patuleia.

De acordo com o relato do cirurgião, os feridos terão sido levados para o Palácio do Sapal (actual edifício do Governo Civil na actual Avenida Luisa Todi) onde se estabeleceu um "hospital de sangue". Entre os feridos mais graves contava-se um soldado que "ferido de bala" na testa. O médico não teve dúvidas em aplicar um tratamento comum na época: a sangria ("Mandei sangrar o doente, (...) no segundo dia appareceu em estado comatoso(...). Ao quarto dia, o doente tinha menos febre, (...) pede para comer e dá-se-lhe uma colher de sopa d'arroz no caldo, e assim continúa até ao septimo dia, em que fallece sem convulsões"). Outro combatente, desta feita de cavalaria, foi "ferido com duas cutiladas na cabeça,
e levou uma estocada no pescoço que o atravessou de parte a parte passando a ponta da espada pela parte posterior dos musculos da laringe". Apesar da gravidade dos ferimentos, nenhuma parte vital foi afectada e "o doente voltou ao serviço". O cirurgião dá conta de um terceiro ferido, um tenente trespassado por uma bala, e dele afirma que "não havia dúvida que a bala tivesse interessado o pulmão e a pleura, pois o ar sahia por ambas as feridas".
Este paciente acabou por ser "sangrado largamente, três vezes nas primeiras 24 horas". Acabou por recuperar e antes do fim do mês já fazia serviço no seu batalhão. Nestes tempos, os cirurgiões ainda acreditavam que a sangria ou sangramento dos doentes permitia equilibrar os seus "humores" ou "temperamentos" e assim alcançar a cura. Hoje sabe-se que os efeitos da sangria são nefastos, salvo raras excepções medicamente controladas.

O nosso cirurgião-sangrador ainda teve trabalho em Setúbal: controlar uma epidemia de sarna entre os soldados e o tratar de doenças sexuais nos homens e nas prostitutas ("julguei conveniente curar os homens e tractar e fiscalizar as meretrizes"). Emigrou para Espanha "até deixar socegar o fogo das paixões revoltosas" onde continuou a tratar pacientes e só voltou a Portugal no final de 1847. Fica este pequeno apontamento sobre a batalha do Viso, sobre a qual haveria certamente mais para contar.

O Putu da Margem Sul

O puto até nem tem muita piada (ainda), mas invejo-lhe a coragem. Pegou numa câmara, arriscou e publicou, sem medos, um vídeo no YouTube que é um grito ao mundo: "ei, eu estou aqui!". Quantos de nós, naquela idade, não fizemos brincadeiras caseiras do género apenas para consumo interno e mostrar aos amigos? O miúdo ainda não é uma estrela do YouTube, mas já cativou o coração de alguns setubalenses. Diz seguir as pisadas do Helfimed e do Môço do Cabresto, duas micro-estrelas portuguesas do YouTube. Chama-se Simão e é um rapaz. Não malhem em cima do Simão só porque ele diz que é da Margem Sul (os puristas gostam de dizer que setubalense a sério é da margem norte do Sado...), que ele ainda está na escola. Em breve, o Simão, o estremenho, vai perceber que é preciso escrever um guião antes de filmar e aí a coisa vai melhorar, vão ver. Deixo-vos com os dois primeiros vídeos, que já passaram a estonteante centena de visualizações. Em Episódio "O Primeiro", "curtinho mas com impacto", o "putu" faz uma antevisão do ano lectivo. Divirtam-se com o Simão.